sábado, 21 de agosto de 2010

Além do arco-íris...


2003, 20 de setembro. 18h56
Soluçando, ela pensava alto. Via-se sozinha num local tão estranho, tão diferente, tão não-ela. Revirava fotos e lembranças do passado. Não entendia como havia chegado ali. Sentia-se inquieta, pois percebia que não estava onde deveria estar. Isso acontece às vezes em festas, quando deveríamos estar em casa estudando, quando estamos no meio da rua e nos sentimos totalmente deslocados. Oh, estava pensando alto novamente. Shhh, cala teus pensamentos. Mas como? Estar em lugar e não pertencer a ele? Que sensação seria essa?
Ela tentava raciocinar sobre sua situação: percebia que seu CEP estava incorreto, suas cartas chegavam pro endereço errado e sua localização geográfica não fazia sentido. O local do dia-a-dia era simplesmente um obstáculo para todos os planos futuros. O desejo de voltar à sua querência¹ devorava qualquer sentido dessa vivência.
Dentre suas fotos, viu-se ofegante diante daquela tão antiga. O pago, a família, tudo: onde estava? Por que ela se via tão distante daquela realidade encantada? Mais soluços. Nenhuma resposta. Por horas e horas ela se viu enfrentando aquela fotografia, tentando trazê-la de volta. Caiu no sono, e sonhou com aquele lugar tão distante... parecia que toda galáxia estava entre ela e seu lugar amado. A tristeza de ver aquela distância, quase milimetrada pela precisão de seu sonho, fê-la dar um salto de imediato.
Ah, a realidade. Guardou todas suas fotos numa caixinha, pois sabia que havia chegado a hora: ligou pra companhia aérea, reservou a primeira passagem que houvesse disponível, secou as lágrimas e partiu sem olhar para trás. Havia passado muito tempo naquele lugar indesejado. Não tinha mais motivos para ficar. Em segundos sua expressão ganhou um sorriso. Embarcou e não conseguiu fechar os olhos por nenhum segundo durante toda a viagem. Pareceu ter demorado meses, mas ela enfim chegou. As memórias voltavam, e ela nem precisava das fotografias para isso. Ficou cheia de sorrisos. Olhou para o céu; um arco-íris. E então pensou alto, pela última vez: Vejo que estou no final deste arco-íris, pois eis, aqui, meu lindo pote de ouro.
Com uma tão conhecida moral, mas nunca desgastada: Happiness is where you make it / Pois uma pessoa pode viajar o mundo e nunca encontrar a verdadeira felicidade que reside onde nosso coração está.

querência¹: O Tradicionalismo gaúcho traz nas asas a leveza do carinho que a palavra “querência” irradia. No seu âmago o forte sentimento pátrio, que não se troca nem por nada. Querência é o local onde se nasce, brinca, cresce... onde se vive! A Querência é local contagiante, pelo som da natureza, perfume das matas, colinas, várzeas, águas, passáros - é a magia do envolvimento sentimental, irradiado pelas coisas do rincão. Querência é pátria, chão, lar, torrão e pago. Querência é o doce lugar onde os homens ou os animais param os rodeios de suas benquerenças. Querência é a extensão do lar. Melhor dizendo: é próprio lar! Querência é o conjunto das coisas que nos fazem felizes. É o vazante dos sofrimentos de peão andarilho. É o colo da natureza, acolhendo o filho pródigo, que não resistiu a saudade de seu recanto. A querência, doce em seu aconchego, sempre é o melhor lugar do mundo.
Fonte: (Livro de Salvador F. Lamberty - ABC do Tradicionalismo Gaúcho)

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"Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros." Caio F

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