quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O auto dos pecados capitais

*Adaptação do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, feita por mim.

Lista de personagens:
Diabo
Anjo
Gula
Preguiça
Cobiça
Ira
Luxúria
Amor

Cenário:
Um palco escuro, com dois espaços bastante distintos e divididos por uma barca.

Chega uma barca no palco escuro. Aqueles que estão dentro dela são convidados a se retirarem. Todos, confusos e assustados, passeiam pelo palco. Enfim, aparece o Anjo, vestido de branco, e o Diabo, coberto de negro. O guloso é o primeiro a indagar sobre aquele espaço misterioso:

- Onde estamos, onde estamos?
Estou atrasado para o jantar!
O Diabo responde:
- Venha, venha, ó guloso, prometo-te uma mesa farta no meu lar!
Novamente o guloso:
- Meu nome é Danilo!
Por que ousas me chamar “guloso”?
E o Diabo:
- Na terra este poderia ser teu nome, mas aqui teu apelido é gula! Pecaste em vida, pois sempre esteve à pensar na comida, alimentando-se por simples gosto, ao invés de necessidade. Irás para o inferno, e veremos como lidarás com a abundância da qual tanto gozas.

O guloso, temeroso, tenta falar com o anjo. De nada adianta, e com a angústia por comida lhe subindo à cabeça, ele decide entrar no inferno.
Depois dele, a ira resolve se pronunciar, destacando logo que seu nome é Lúcia. “Aqui teu nome é Ira”, logo retruca o Diabo, e não demora para que comece uma briga entre os dois. Todos se metem, exceto a preguiça e o amor, que esperam calmamente. O Anjo, enfim, obriga a ira a entrar no inferno, enquanto uma mulher de roupas vulgares começa a se movimentar. Ela vai em direção ao anjo, que finge não vê-la, e tenta seduzi-lo com palavras doces e gestos amargos. Algumas tentativas falhas depois, a moça desiste e caminha em direção ao inferno, sem trocar uma palavra com o Diabo; ele apenas grita, ao vê-la passar: “Luxúria, teu nome é Luxúria!”.
Entendendo toda a situação, chega a cobiça ao Anjo:

- Meu nome foi cobiça em vida, mas me arrependo! Tome, fique com todos meus bens, não preciso de nada! A inveja não toma mais conta de mim, tornei-me uma pessoa que só deseja o bem dos outros.
O anjo responde:
- Pecaste em vida, e te arrependeste na morte. Não posso te ajudar, porém, pois devias ter te arrependido em vida! A morte não poupa ninguém, a morte não salva ninguém. Temo dizer-te que irás para o inferno. Não existem tratados com o Diabo, por isso nem perca seu tempo discutindo com ele.

A cobiça, então, entra tristemente no inferno, enquanto um personagem sentado no chão começa a gritar “Mas que cansaço! Quanto mais terei de esperar?”, dirigindo-se para o Diabo. Ocorre um diálogo minúsculo entre eles, já que o preguiçoso só quer um local para descansar. O Diabo diz que ali será seu lugar de eterno repousar, e o preguiçoso, sem sequer ir até o anjo, por desgaste, entra no inferno.
Uma menina ainda resta no palco, mas parece ter muito medo de se aproximar do Anjo. “Venha, querida”, o Anjo diz com voz amável. Ela caminha lentamente, explicando-se:

- Em vida me chamei Tânia, não sei como serei chamada agora. Percebo que faltam alguns pecados a serem chamados, mas nenhum deles foi cometido por mim. Diga-me, anjinho, por que me encontro aqui.
O Anjo responde:
- Acalme-se. Estás aqui porque morreste, uma pena. Mas não se preocupe, serás salva. Fostes uma pessoa boa e carinhosa. Não te nomearei com pecados; teu nome agora é amor.

A menina sorri e caminha junto do Anjo, que já havia terminado seu trabalho do dia, para o céu. O Diabo ainda fica em cena, à espera dos tantos outros pecadores que ainda estavam por vir.
FIM

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"Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros." Caio F

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